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Artigo por: Orfeu Bertolami, Departamento de Física do Instituto Superior Técnico
Estudos da radiação fóssil de microondas, a denominada radiação cósmica de fundo, permitem a determinação, com grande precisão, do conteúdo energético do Universo. Esta radiação, observada na região de microondas do espectro electromagnético, é um remanescente de um Universo ainda jovem com apenas 375 mil anos e a sua estrutura mais fina revela detalhes impressionantes acerca da história do Universo. Através desta radiação sabemos que a geometria do Universo (o Universo é quadri-dimensional, isto é, tem 3 dimensões espaciais e 1 temporal), correspondente à parte espacial, é plana, o que significa que a luz percorre uma linha recta entre uma fonte e um observador se não houver nenhuma concentração importante de matéria. Esta radiação permite-nos também estimar que cerca de 73% da energia/matéria do Universo está distribuída de forma uniforme por toda a parte, e que por não se manifestar luminosamente, é designada por energia escura. Esta energia é responsável pela actual expansão acelerada do Universo.
A expansão do Universo foi descoberta pelo astrónomo norte-americano Edwin Hubble em 1929.O facto desta expansão ser cada vez mais rápida a distâncias cada vez maiores de nós, isto é, a sua aceleração, foi estabelecida em 1998 por um grupo de astrónomos da Universidade de Berkeley, na Califórnia, liderados pelo cientista Saul Perlmutter.
A quase totalidade dos restantes 27% da matéria do Universo, podem ser atribuídos a partículas elementares, que macroscopicamente não exercem pressão, isto é, matéria não relativista (matéria cuja velocidade típica é muito menor do que a velocidade da luz).
A consistência dos resultados obtidos através do estudo da radiação cósmica de fundo com observações da abundância de elementos leves, hidrogénio, hélio e lítio, indica, através da observação de estrelas e outros objectos astronómicos, que só cerca 4% da matéria do Universo pode ser identificada como matéria que nós conhecemos, isto é, matéria constituída por protões, neutrões, electrões e outras partículas elementares conhecidas. Assim, conclui-se que, para além da matéria usual, deve existir no Universo uma apreciável quantidade de matéria dita negra ou escura.
Este resultado é algo de surpreendente e revela que nós desconhecemos cerca de 96% da constituição do Universo. Desses 96% que desconhecemos a energia escura corresponde a cerca de 73% da constituição do Universo e a matéria escura os restantes 23%.
Na verdade, no que diz respeito à matéria escura, esta conclusão é corroborada por observações de outra natureza e a escalas de distância distintas.
Estudos da rotação de galáxias do tipo espiral revelam que a matéria “usual” (constituída por protões, neutrões, electrões, etc) que se manifesta no espectro electromagnético (visível, infravermelho, ultravioleta, raio-X, etc), corresponde apenas a 1/15 – 1/10 da massa total inferida pela dinâmica da rotação. Ou seja, nas galáxias espirais há de 10 a 15 vezes mais matéria daquela que se pode deduzir por meio da observação da radiação electromagnética em todos os comprimentos de onda. Há evidências que o mesmo ocorre com galáxias com outra morfologia, isto é galáxias elípticas e irregulares.
A escalas de tamanho na ordem das dezenas a centenas de vezes maiores que a de galáxias individuais (dezenas a centenas de milhões de anos-luz), a coesão e a dinâmica de enxames e super enxames de galáxias ligados graviticamente só podem ser compreendidos se a massa detectada através de observações astronómicas das diferentes regiões do espectro electromagnético for também da ordem de 1/15 a 1/10 da massa total inferida dinamicamente.
Uma técnica de observação de grande relevância na determinação da presença de matéria escura é a das lentes gravitacionais. Segundo a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, a luz é curvada quando nas vizinhanças duma distribuição de matéria, e a magnitude do desvio relativamente ao da propagação rectilínea é indicativo da quantidade de matéria presente. Assim, ao observar-se a um desvio relativamente à propagação rectilínea, pode-se determinar a quantidade de matéria presente independentemente da sua natureza. A utilização deste método tem-se generalizado na observação astrofísica e tem descortinado uma imagem do Universo que é consistente com a que se infere através dos outros métodos descritos: a matéria usual corresponde a cerca de 1/15 a 1/10 da matéria inferida por métodos dinâmicos.
A recente observação, cujos resultados foram tornados públicos em Agosto de 2006, do enxame 1E 0657-56, mais conhecido pela alcunha de “enxame bala”, usando a técnica das lentes gravitacionais e a banda X do espectro electromagnético (sensível à matéria usual), que a dinâmica observada só é compatível com a presença de uma quantidade substancial de matéria escura. Quantitativamente, observa-se que massa total do enxame deve ser a 10-15 vezes maior que a da massa inferida pelas observações em raios X.
Assim, parece não haver dúvidas que a matéria escura é a forma predominante de matéria não relativista no Universo.
Naturalmente, uma questão central, ainda por desvendar, é saber qual a verdadeira natureza desta matéria e como pode ser detectada. Várias hipóteses têm sido sugeridas assumindo que esta matéria é a manifestação macroscópica duma substância constituída por partículas elementares ainda por se descobrir. Os candidatos mais discutidos incluem partículas elementares que surgem no contexto de modelos de física de partículas, tais como os axiões, um conjunto especial de partículas supersimétricas neutras designados por neutralinos, partículas “adamastor”, postuladas e discutidas no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico, entre outras. Uma das grandes esperanças dos físicos, é que vestígios destas partículas possam ser detectados no LHC, o grande acelerador de protões do Centro Europeu de Investigação Nuclear situado em Genebra, ou em outros detectores passivos localizados em minas profundas (tal precaução é necessária para blindar o efeito de falsas detecções causadas pela interacção dos detectores com as partículas dos raios cósmicos).
Outra questão de particular importância é saber até que ponto a matéria escura e a energia escura indicam que a teoria da gravitação utilizada é adequada ou não. Até ao presente, nenhum modelo alternativo à Teoria da Relatividade Geral foi capaz de rivalizar com o poder explicativo e preditivo desta teoria, mas os cientistas têm trabalhado activamente também nesta frente de investigação.
Finalmente, uma última questão diz respeito à possível ligação entre a energia escura e a matéria escura. É possível que estas duas entidades sejam manifestações a escalas distintas de uma única partícula ou campo mais fundamentais.
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